terça-feira, julho 18, 2006

Escritores e Poetas alentejanos - BERNARDIM RIBEIRO

.
O NOSSO BLOG PROSSEGUE A DIVULGAÇÃO
DE AUTORES ALENTEJANOS
BERNARDIM RIBEIRO, DO TORRÃO,FOI
UM DOS NOSSOS MAIORES POETAS E
PROSADORES


Bernardim Ribeiro (1480/1500 ? 1530-1545) nasceu na vila de Torrão, Alentejo em data incerta e, segundo alguns autores, terá visitado a Itália na companhia de Sá de Miranda. Chegaram até nós cinco éclogas e a novela Saudade, mais conhecida por Menina e Moça. Algumas das suas posias foram inseridas no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.

Frequentou a corte, onde foi poeta conhecido, já que figura entre os colaboradores do Cancioneiro Geral de 1516, de Garcia de Resende, e Sá de Miranda refere-se-lhe, em obras suas, como amigo e companheiro de letras, afirmando que, com as suas éclogas, Bernardim foi o introdutor do bucolismo em Portugal. A sua obra mais celebrada é Menina e Moça, de que há três versões. A primeira foi editada, em 1554, em Ferrara, pelo judeu português exilado Abraão Usque, o que apoia a tese de alguns ensaístas, nomeadamente Hélder de Macedo, em Do Significado Oculto da Menina e Moça, acerca do judaísmo de Bernardim Ribeiro. Isto daria à obra, de estrutura aparentemente inconclusa, um significado cifrado que constitituiria a representação esotérica da comunidade judaica no exílio. Tal tese surge apoiada ainda em outros factos da vida do autor, como o seu afastamento forçado da corte, talvez mesmo de Portugal, já que a publicação das suas obras teve lugar em cidades estrangeiras, onde havia comunidades de judeus emigrados. A esta edição de Ferrara seguiu-se a edição de 1557, em Évora, por André de Burgos, e uma terceira, de 1559, impressa por Arnold Birckman em Colónia.

Novela sentimental na linha da novelística peninsular que se desenvolveu por influência de Boccaccio, de temática amorosa e cavaleiresca, com fundo bucólico e autobiográfico (como o sugerem os inúmeros anagramas, quer do nome do autor, Binmarder, quer de pessoas das suas relações, como Aónia ou Avalor), nela se encontra presente uma subtil análise psicológica em voz feminina, eco da tradição galego-portuguesa das cantigas de amigo e precursora do romance psicológico moderno. O amor, trágico, alia-se a um sentimento geral de fatalismo e solidão, numa linguagem que se aproxima sugestivamente do coloquialismo, de extrema riqueza rítmica e lírica. Esta novela, cuja designação desde cedo se popularizou como Saudades, veio influenciar claramente a literatura portuguesa, constituindo um fundo sentimental recuperado e reelaborado posteriormente por vários escritores e, nomeadamente, pelos movimentos romântico e saudosista.



"Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha."

Menina e Moça, início


Bernardim Ribeiro escreveu doze poesias menores incluídas no Cancioneiro Geral, a novela Menina e Moça, que inclui três composições em verso (o vilancete Pera tudo houve remédio, a cantiga Pensando-vos estou, filha e o romance de Avalor), cinco éclogas, a sextina Ontem pôs-se o sol e a noute, o romance Ao longo de ua ribeira, e duas cantigas e outras composições incluídas na edição de Ferrara, em 1554, a cargo de Abraão Usque. O romance Ao longo de ua ribeira, única composição portuguesa inserida no Cancioneiro Castelhano de 1550 (segundo Carolina Michaelis), só apareceu publicado com as obras completas do poeta na edição de 1645.

Das Éclogas , publicamos parte da 2ª.:

ÉCLOGAS

ÉCLOGA II

Dizem que havia um pastor
antre Tejo e Odiana,
que era perdido de amor
per Da moça Joana.
Joana patas guardava
pela ribeira do Tejo,
seu pai acerca morava
e o pastor de Alentejo
era, e Jano se chamava.


Quando as fomes grandes foram
que Alentejo foi perdido,
da aldeia que chamam o Torrão
foi este pastor fugido.
Levava um pouco de gado,
que lhe ficou doutro muito
que lhe morreu de cansado;
que Alentejo era enxuito
de água e mui seco de prado.


Toda a terra foi perdida;
no campo do Tejo só
achava o gado guarida:
Ver Alentejo era um dó!
E Jano, pera salvar
o gado que lhe ficou,
foi esta terra buscar;
e, se um cuidado levou,
outro foi ele lá achar.


O dIa que ali chegou
com seu gado e com seu fato,
com tudo se agasalhou
em üa bicada de um mato.
E levando-o a pascer,
o outro dia, à ribeira,
Joana acertou de i ver,
que se andava pela beira
do Tejo, a flores colher.


Vestido branco trazia,
um pouco afrontada andava,
fermosa bem parecia
aos olhos de quem na olhava.
Jano, em vendo-a, foi pasmado;
mas, por ver que ela fazia,
escondeu-se antre um prado:
Joana flores colhia,
Jano colhia cuidado.


Depois que ela teve as flores
já colhidas, e escolhidas
as desvairadas coores,
com rosas entremetidas,
fez delas üa capela,
e soltou os seus cabelos,
que eram tão longos como ela
e de cada um a Jano, em vê-los,
lhe nacia üa querela.


E enquanto aquisto fazia
Joana, o seu gado andava
por dentro da água fria,
todo após quem o guiava.
Um pato grande era guia,
e todo junto em carreira.
ora rio acima ia.
ora, em a mesma maneira.
o rio abaixo decia.


Joana, como assentou
a capela, foi com a mão
à cabeça, e atentou
se estava em boa feição.
Não ficando satisfeita
do que da mão presumia,
partiu-se dali direita
pera onde o ria fazia
de água üa mansa colheita.


Chegando à beira do rio,
as patas logo vierom
todas Da a üa, em fio,
que toda a água moverom.
De quanto ela já folgou
com aquestes gasalhados,
tanto entonces lhe pesou,
e com pedras e com brados
dali longe as enxotou.


Depois que elas foram idas
e que a água assossegou,
Joana, as abas erguidas,
entrar pela água ordenou;
e assentando-se, então,
as sapatas descalçou,
e, pondo-as sobre o chão,
por dentro de água entrou
e a Jano pelo coração.


Enquanto, com passos quedos,
Joana pela água ia,
antre uns desejos e medos
Jano, onde estava, ardía;
não sabia se falasse,
se saísse, se estivesse:
que o amor mandava que ousasse,
e, por que a não perdesse,
fazia que arreceasse.


Dizem que naqueste meo
se esteve Joana oulhando;
e, descobrindo o seu seo,
oulhou-se, e dixe, um ai dando:
«Eu guardo patas, coitada,
não sei onde isto há-de ir ter,
mais era eu pera guardada.
Que concerto foi este, ser
fermosa e mal empregada!»


Em aquisto Jano ouvindo,
não se pôde em si sofrer,
que de antre as ervas saindo
se não lançasse a correr.
Joana, quando sentiu
os estrompidos de Jano,
e que se virou e o viu,
temor do presente dano
lhe deu peis com que fugiu.


Mui perto estava o casal
onde vivia o pai dela,
que fez ir mais longe o mal
que Jano teve de vê-la.
Mas o medo que causou
Joana partir-se assi,
tanto as mãos lhe embaraçou,
que a sapata esquerda, ali,
com a pressa lhe ficou.


Jano, quando viu e olhou
que nenhum remédio havia,
pera o lugar se tornou
aonde ela na água se via.
E vendo a sapata estar
no areal, à beira de água,
foi-a correndo abraçar.
Tomando-a, creceu-lhe a mágoa,
e começou de chorar.