sexta-feira, novembro 26, 2004

PROVÉRBIOS

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-Quem tem rabo de palha, não chega perto do fogo
-Quem vai dar, leva um saco para trazer
-Quem tem boca não manda soprar
-Quem tem padrinho não morre pagão
-Quem semeia abrolhos, espinhos colhe
-Quem perfuma o porco, perde o cheiro e o juízo
-Quem mexe o angu, sabe a dureza que ele tem
-Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão
-Onde não há, perde el-rei
-Bezerro enjeitado, não escolhe teta
-Quando o nal é de morte, o remédio é de morrer

CADA MACACO NO SEU GALHO

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Estava um homem a guardar ovelhas, quando repentinamente, por um carreiro inóspito, lhe aparece o Eng.º montado num tractor 4x4 último modelo, todos os extras, CD com MP3 incluído, vestido com fato Hugo Boss e sapatos DKNY óculos Kalvin Klein. Aproxima-se do velho pastor e diz-lhe:
"Senhor, se eu determinar o número de ovelhas existente no seu rebanho, ganho uma?"
Assombrado, o velhote concordou. O Engº dirige-se ao 4x4, saca de um Toshiba Tecra 8000 com 1024 MB de RAM, liga-se à
Internet por GSM, faz download de uma base de dados de 300 MB, entra numa página da NASA localizando por satélite a região exacta onde se encontra o rebanho. Executa uma média histórica da massa de uma ovelha Merino mediante uma tabela dinâmica de Excel, com a execução de algumas macros personalizadas em Visual Basic, obtém um diagrama de fluxo, e ao cabo de 3 horas responde ao velho:
"Você tem 1347 ovelhas no seu rebanho, e provavelmente 4 estão grávidas."
O velho assentiu, e disse-lhe que podia levar a ovelha. Quando o outro já estva para partir, o pastor chamou-o e perguntou:
"Ouça, se eu adivinhar onde você estudou, e que curso, devolve-me a ovelha?"
O Eng.º executivo sorriu e respondeu:
"Claro, claro", enquanto continuava a preparar o tractor para partir.
"O senhor estudou Gestão de Empresas na Universidade Católica".
Foi a resposta imediata do pastor. O outro desceu do carro e, espantado, perguntou-lhe como sabia isso.
"É fácil", respondeu o pastor. "Por 4 razões. Primeiro, pela sua ganância. Segundo, porque apareceu sem que eu o tivesse chamado. Terceiro, cobrou por me informar de algo que eu já sabia. E, por último, por que você, na verdade, não percebe nada do negócio. Agora, se não se importa, DEVOLVA-ME O CÃO!

sexta-feira, novembro 12, 2004

O BALDÃO

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O CANTE DO BALDÃO

Em volta de uma mesa sentam-se os cantadores, normalmente juntinhos e sobre a mesma dispõem-se os copos e coloca-se o mais. Buscam posições, procuram parceiros, trocam olhares fugidios, disfarçadamente miram a aparência dos concorrentes, tossem, pigarreiam, limpam a garganta, passam sugestivamente a mão pelo pescoço e invariavelmente lamentam-se pela sua fala que hoje para nada presta.
Tenho estado tão constipado ... se calhar até nem canto, é o costume dizerem.
Mas cantam sempre, é uma desculpa adiantada para qualquer falho ou para iludir os outros se eles se fiarem nas queixas.
Entretanto, todos se aconchegam, ajeitando-se nos lugares para darem largueza ao tocador. E a campaniça começa a retenir a moda da marianita do princípio ao fim. Sempre assim foi e assim será. Tal como o rumo das cantigas, segue obrigatoriamente o percurso inverso ao sentido dos ponteiros do relógio. É um preceito. Uma regra que ficou estabelecida desde o início deste cante para que cada vez que se juntam não tenham de estar a preocupar-se com os pormenores da volta.
Mas depois dos primeiros acordes, os olhares fixam-se na boca e os sentidos nos dizeres do cantador que é o mão. Cresce a tensão, aumenta o desejo, redobra o frenesim e o silêncio do principiante é insuportável. O tocador que já percorreu a moda ponto por ponto então sustem-se, já não abala, pisa as cordas com os dedos esquerdos e desata a repetir a chamada com a unha acrescentada do polegar direito fazendo soltar à viola ganidos de impaciência. Chegados aqui, o cantador já sem saída, ganha fôlego, fecha os olhos, enterra a boina e lá vai.
Lançada a primeira cantiga, as demais já se sucedem sem tanto receio, naquele dito rodar às avessas do tempo.
Enquanto a vez não chega, matina-se na cantiga seguinte, debica-se no petisco e vazam-se os copos. Pouco se fala para não entreter, para não fazer fugir o tino e a rima.
E aos dizeres dos cantadores os outros respondem no flagrante só com incontidos acenos de cabeça ou piscadelas de olho furtivas.
Quando chegar a sua vez logo ripostam se for caso disso e se a habilidade lhes bastar. São regras, são preceitos.
O cante depois começa a buscar-se a si próprio, engendra um fundamento, tem de encontrar um rumo. E a poesia fervilha, repentista, cortante, às vezes marota. De tudo se trata, ali tudo se diz, rimando, com uma musicalidade e uma entoação que nos transportam longe.
Os cantes são desafios à imaginação, à inspiração e à resistência. Duram horas a fio, sempre sem quebras nem pausas, penetram pelas madrugadas como se o tempo a cantar não contasse.
O tocador nada lhes diz, ouve-os, olha-os, de quando em vez deixa escapar um sorriso. Os outros levantam-se nos intervalos da sua vez quando precisam de despejar o bebido, mas o mestre aperta-se, sustem-se, para não quebrar a magia que a viola e o rodopiar das razões geram em volta da mesa.
Discutem mil assuntos, acertam contas antigas, mas filosofam invariavelmente acerca da valia da honra, do dinheiro, do ferro, do ouro, do campo e da serra.
Que saber o seu, que arte a deles.
Do fundo de tal tempo, guardam a memória de cantares antigos, de génios andantes que de feira em feira ganhavam sustento e acrescentavam a fama.
Derivado do despique este cante arreigou-se nas fraldas da serra*, ali se forjou e ali perdura, alimentado pela seiva de gentes ricas em valores tradicionais e senhores plenos da sua identidade.
Readquiriu, recentemente, grande fôlego esta expressão vocal e poética tendo os seus intérpretes voltado a sentir brio na sua arte. O baldão furtou-se a uma morte anunciada e ganhou alma, alento, adeptos, ouvintes, apreciadores. Tem, presentemente, tudo o que é necessário para vencer o esquecimento e continuar a cantar-se no sentido inverso ao dos ponteiros que marcam o ritmo dos dias.

José Francisco Colaço Guerreiro


CANTE ALENTEJANO

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O CANTE ALENTEJANO
As origens do Cante continuaram a dividir as opiniões, onde era talvez esta a questão mais polémica relacionada com o Cante. Queriam uns que as suas raízes estivessem na fusão das polifonias arcaica e clássica dos séculos XII e XV com influências do chamado « Fabordão » ( sistema popular de improvisação ). Para outros a influência dominante seria o árabe, onde o Alentejo foi a região que mais preservou as influências dessa cultura. De influências árabes ou gregorianas, certo era ser o Cante, nas palavras do Padre António Mourão, a perfeita imagem do Povo Alentejano, no seu quotidiano, durante séculos, e que se manteve viva, em toda a sua beleza sentimental e nostalgica, que embalou a sua gente, a fez trabalhar, cantar, chorar, sofrer, rezar e morrer, numa epopeia bem digna da pena de um povo, ainda que rústico ou épico.
OUTROS CANTES
Para além do Cante, outras formas folclóricas floresceram no grande Alentejo.
Entre elas as mais significativas foram sem dúvidas as saias, as cantigas ao despique e o cante ao baldão.
SAIAS
Implantadas em toda a zona interior do Alto Alentejo, as saias eram ao mesmo tempo um canto e uma dança. De carácter mexido, atrevido, e por vezes mesmo brejeiro, o jeito alegre e descontraído das saias propiciavam um contraste flagrante com a simplicidade austera e melancólica do Cante. Ao contrário deste, exclusivamente polifónico, as saias incluíam uma variedade considerável de instrumentos musicais.
As saias exerceram profunda influência sobre a generalidade de grupos de música popular, mesmo os das zonas do Cante. A confluência das influências destes dois tipos de folclore, , resultou no aparecimento de grupos hibridos, anatemizados por alguns, mas alcançaram bastante sucesso a nível nacional. Um dos exemplos pode ser mesmo a moda de « O Passarinho » lançado pelo Grupo de Cantadores de Portel, e que foi um sucesso de vendas em todo o País, e que nada tem de tradicional.
CANTE AO BALDÃO
O santuário do Cante ao Baldão era sem dúvida nas zonas de serras entre os concelhos de Ourique e Castro Verde. Servido e acompanhado da viola campaniça,
o Cante ao Baldão era também ele uma manifestação musical popular única.
Assistir ao balão , na Feira de Castro, é um dos momentos mais altos da romaria do terceiro fim de semana de Outubro.
É sobre o Baldão que se segue um artigo do José Francico Colaço Guerreiro.

quarta-feira, novembro 10, 2004

ADEUS Ó FEIRA DE CASTRO

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ADEUS, OH FEIRA DE CASTRO!

Colaço Guerreiro

Vem do tempo em que a poesia e os ditos envolviam e amenizavam a vida madrasta desta gente quase toda que por aqui nascia, labutava e perdurava até se lhe acabar o existir.
Quando nada havia, para além dos gemidos contidos nas vidas apertadas, as vozes e os cantes erguiam-se e esbracejavam inconformados com o vazio, estendendo-se pelos horizontes de limites indefinidos, em busca de uma largueza inexistente, na essência de cada qual, só conseguida e cimentada num movimento colectivo, fosse ele murmúrio ou moda, fosse enterro ou adjunto.

E por isso, as feiras tinham uma magia que galvanizava os imaginários, onde a solidão entontecia nas voltas dos carrosséis, os olhos abriam-se para os passantes todos e embriagavam-se de novidades, das vistas das coisas não tidas, mas assim possuídas por instantes breves.
A barafunda contrastava com a monotonia dos dias e excitava os desejos mais profundos de animações, de contactos e de afectos negados no quotidiano.

Quando tanto se poupava, sabia bem a extravagancia de uma nesga de polvo assado, da compra de uma flaitinha, de uma plica mais grave, de um cabresto enfeitado, de umas guisadas estridentes.

E fazia bem à economia familiar, vender-se um gadinho, desempatar algumas das mantas tecidas durante o ano inteiro, peugos, cestos, cadeiras ou cajados feitos sem fazer conta ao tempo.Os da terra apuravam uns tostões vendendo barrigadas de água, alugando argolas de manjedoura ou cedendo espaços nas suas casas feitas quartel ou pousada.

Por isso, chegado o Setembro, quando o sol começava a entrar no declínio outonal cortando mais baixo a travessia do dia, a efervescência acendia-se aqui e nas redondezas.
Ainda faltava mais de um mês e a propósito de nada já se dizia que cheirava a feira de Castro. Tudo servia para lembrar o adjunto.
“Vê lá se dás notícia de passar por aí o caleiro que eu preciso de comprar umas arrobas de cal para derregar, porque tenho o pote lá por aí abaixo e daqui a pouco quero começar a caiação, porque não tarda os quartos de um cão, está aí a feira” - recomendavam as vizinhas umas às outras, muito antes de se começarem as ver pelas ruas as escadas empinadas contra as empenas e os vassouricos manobrando na alvura das paredes, enquanto rente ao chão, as que menos podiam faziam os baixinhos.
Depois, à medida que o tempo ia passando, a chuva ou o estio, entravam nos cumprimentos em forma de adivinhação, em concordância de prognóstico ou não, mas acabando sempre com um vamos lá ver, pode ser que não tenha dúvida.
Se caíam uns pingos e as formigas de asa, moles e tontas, apareciam trepando às paredes para depois caírem, aumentava o murmúrio, mergulhava-se numa tristeza colectiva, porque a feira ia ser molhada.
Se a lua levava círculo, se o vento vinha do lado do caldeirão, se as maravalhas penduradas nas paredes se encolhiam, se os ladrilhos mudavam de cor, se as badaladas do sino da igreja se ouviam de modo diferente, se os ossos doíam, se a ferrugem da chaminé se desprendia, se à tardinha o astro se punha de certo jeito, era mais que certo, tínhamos o tempo mudado.
O bom era que chovesse, umas cargas boas aí umas semanas antes da feira. Dava outra vida, porque aumentava a esperança de termos um arraial melhor, acrescentado com o viço dos campos que começavam a esverduengar e das searas também abicando, prometendo boas pastagens para a borregada e boas fundalhas para os celeiros. Vinha ainda a tempo de segurar as bolotas e de engradecer as azeitonas.
Desgraça era se o estio se prolongava até Outubro, sem um bico de erva nos campos e com as semeadas empoeiradas ainda sem um bago de trigo agalhotado.
Antevia desgraça e os gastos na feira eram mais contidos. No lugar três, só se comprava uma panela de barro, em vez de umas botas novas tinha de se ver se as velhas ainda seguravam umas trombas, em vez de um chapéu novo usava-se o desboto, em vez de uma prenda para o enxoval da filha casadoira, levava-se só uma nesga de torrão de Alicante. Contendo até ao limite do nada o gosto inigualável de vir à feira e enfeirar muito mais que um rábano, um cartucho de azeitonas massanilhas e um litro de fava assaria para enterrar dali a semanas.
Mas desnoca maior era quando nas vésperas da feira os céus se rompiam e do ar caíam esgarrões de água sem conta, enchendo barrancos, esvarjando ribeiras, fazendo das estradas atasqueiros e do largo da feira um mar de lama.
Os feirantes sumiam, os ciganos desarvoravam e um ano inteirinho de expectativas e sonhos gorava-se, numa decepção imensa, sem diversão nem proveito, sem registo de prazer, excepção feita para os cantadores do despique e do baldão porque esses, chovendo ou ventando, permaneciam nas barracas durante três dias a fio, agarrados às cantigas, tasquinhando castanhas e emborcando copinhos de medronho.