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JOAQUIM MESTRE
Joaquim Mestre nasceu em Trindade, concelho de Beja. É licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e pós-graduado em Ciências Documentais pela mesma universidade, é autor de um livro de contos “O Livro do Esquecimento”, do romance “A Cega da Casa do Boiro” e director da Biblioteca Municipal José Saramago, de Beja.
A sua ultima obra é "O Perfumista"
“O Perfumista” tem como pano de fundo a 1.ª Guerra Mundial, a Revolução Russa, as aparições de Fátima e a Pneumónica, passa-se no princípio do século XX e tem como cenário próximo o Alentejo, numa determinada região, entre Mértola e Alcoutim e conta a história de um homem que se apaixona por uma mulher. Não pelos seus olhos, não pelos seus cabelos, mas pelo seu odor, tal como contou à Voz da Planície o autor do livro. Um romance que aborda também o Alentejo na perspectiva do maravilhoso, do fantástico e do imaginário popular.
“Quero que cada livro meu
seja uma caixinha de emoções”
Obra aborda a história da paixão de um homem pelo cheiro da sua mulher numa aldeia do Baixo Alentejo no início do passado século.
Com os seus livros, Joaquim Figueira Mestre procura revelar o que cada pessoa tem de “maravilhoso, de fantástico ou ‘sobrenatural’”.
“O perfumista é uma história de amor com muitas histórias lá dentro. É um livro que procura resgatar um certo imaginário do Alentejo que não tem propriamente a ver com questões sociais ou políticas que foram tão caras aos neo-realistas. É um livro que vai mais ao indivíduo e àquilo que certas pessoas transportam de fantástico, de maravilhoso, de assombro. Procurei dar voz àquelas figuras de espanto e assombro que povoavam o Alentejo. Procurei dar voz a essas pessoas que estão esquecidas no Alentejo, pessoas que tinham qualquer coisa de maravilhoso dentro delas”.
O discurso na primeira pessoa é de Joaquim Figueira Mestre, que descreve assim o seu segundo romance, O perfumista, editado pela Oficina do Livro no passado mês de Setembro. Uma história de amor de um homem pelo odor da sua mulher passada na fictícia aldeia de Almorim e que tem por pano de fundo o início do século XX, o surto de febre pneumónica, a primeira Grande Guerra Mundial e a revolução bolchevique.
“Uma coisa que sempre me interessou e que de alguma forma, se calhar inconsciente, esteve na base do livro foi o facto de acreditar que as pessoas se escolhem umas às outras pelos aspectos intelectuais e também pelos aspectos físicos. E a questão do olfacto é determinante nas escolhas que fazemos de amigos e, principalmente, amorosas. Tenho a percepção que há aquilo a que as pessoas chamam de ‘química’, um conjunto de diversos factores em que entra o odor da própria pessoa. Foi pensando um pouco acerca disso que escrevi este livro”, explica o autor, que é também director da Biblioteca Municipal José Saramago, em Beja.
Corria na altura o ano de 2001. Cinco anos depois, O perfumista chegou às bancas. “Foi um livro demorado, porque só escrevo quando realmente sinto a voz das personagens, quando sinto que estou com aquela toada, aquele ritmo. Porque na minha opinião, O perfumista tem uma toada, uma musicalidade que nos vai transportando. E eu tenho de sentir essa música ressoar dentro de mim, como se fosse uma lenga-lenga. E só quando sinto isso é que eu escrevo”, garante.
Desse processo resulta uma escrita “espontânea” e de “paixão”, em que são as personagens a definir o seu próprio rumo. “Há muita imaginação dentro deste livro e as personagens é que o vão escrevendo. Eu apenas as vou conduzindo. Mas a maior parte das vezes nem as consigo controlar. É como se pegasse numa jangada, a metesse ao mar sem remos e bússola, e deixasse que ela fosse guiada pelas estrelas, à bolina”, observa.
Contador de histórias. Analisando a sua obra literária – O Livro do Esquecimento (2000), A Cega da Casa do Boiro (2001) e O perfumista (2006) –, Joaquim Figueira Mestre prefere definir-se como “contador de histórias” e não como “escritor”. Interessa-lhe, sobretudo, “o interior das personagens”, onde se cruzam a morte e o amor, o desespero e a perda, a solidão.
“São essas coisas que me inspiram fortemente. Interessam-me muito mais as questões interiores e ver em cada pessoa aquilo que ela tem de diferente de todas as outras, o que traz dentro de si de maravilhoso, de fantástico ou ‘sobrenatural’”, garante.
Isto leva-o a construir os seus livros como “caixinhas de surpresas”, onde as emoções esperam um desfolhar de páginas para se soltarem pela imaginação dos leitores. “O que me interessa é contar histórias que façam as pessoas pensar, que as emocionem, divirtam ou irritem. Quero que cada livro meu seja uma caixinha de emoções. Não procuro transmitir qualquer mensagem política ou social”.
De momento, Joaquim Figueira Mestre encontra-se a promover O perfumista pelo Norte do país. Um contacto mais directo com os leitores que considera ser “interessante”, até porque “a principal gratificação que uma pessoa tem depois de tantos anos a escrever um livro é que as pessoas gostem da obra”.
“O feedback dos leitores é a única recompensa que podemos ter. Porque nisto dos livros ou se vendem uns largos milhares de livros ou não há compensação nenhuma em termos monetários. E a recompensa que temos é mesmo ter leitores, ter pessoas que nos leiam, ter pessoas que sabemos que de alguma forma lhe criámos momentos de prazer, fizemo-las entrar num espaço de ficção e durante esse tempo que leram o livro foram transportadas para dentro da história”, conclui.
Novo livro já idealizado
Depois de cinco anos a escrever O perfumista, Joaquim Figueira Mestre encontra-se já em pleno processo criativo para um novo livro. O cenário será a cidade de Beja no século XVII e terá por mote a paixão arrebatadora entre soror Mariana do Alcoforado e um oficial francês.
“Não vou procurar fazer uma reconstituição histórica e precisa [desse episódio]. Vou apenas basear-me num facto verdadeiro e depois criar à sua volta. Não será portanto um livro sobre Mariana do Alcoforado, pois tem uma abordagem diferente. Mas ela é a musa inspiradora”, revela.
O sucessor d’O perfumista voltará a levar a escrita de Joaquim Figueira Mestre para o Alentejo. Isto porque o autor confessa não sentir “grande apetência para escrever sobre as cidades”.
“O Alentejo é de uma grande contenção verbal. É um espaço de silêncio e de solidão. É preciso descobrirmos por detrás de tudo isso uma outra realidade que vive nas pessoas, mas não é visível à primeira vista. […] As cidades não me inspiram, muito menos as cidades contemporâneas. Não sou um escritor urbano, mas do mundo rural. E é esse imaginário do mundo rural que me inspira e interessa abordar”, finaliza.