segunda-feira, janeiro 19, 2004

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A FEIRA DE CASTRO
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de

JOSÉ FRANCISCO COLAÇO GUERREIRO

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.Fazendo uma retrospectiva do evoluir desta vila ao longo dos tempos ,parece-nos existirem três coordenadas essenciais pelas quais passou o seu crescimento e prestigio.
Antes de tudo o mais, valeu-nos a "Lenda do Milagre de Ourique" que em nosso entender foi a cúpula espiritual necessária para a afirmação deste lugar como agregado urbano . De povoado insignificante com umas dezenas de vizinhos ,passou mais tarde a vila ,sede de concelho, subalternizando outras vilas como Entradas que em finais do Sec. XVI tinha uma importância económica e social incomparavelmente superior.
Mas à pala do "Milagre de Ourique" , aqui se erigiram obeliscos e monumentos e construiram duas igrejas que ao compasso dos anos foram sendo sistematicamente ampliadas e melhoradas, malgrado à data o numero de fieis ser diminuto para a grandeza dos templos.
Porém, a razão ultima da sua edificação não era própriamente a de dar guarida aos devotos locais, mas era antes, a de elevar para os céus a materialização da fé ou do agradecimento de reis e eclesiásticos pela excelsa graça vinda do Supremo para o rei primeiro.
Em torno das igrejas grandes ,romperam e encostaram-se as casinhas pequenas e pouco a pouco o casco urbano do lugar foi-se definindo ,consolidando sempre pobrezinho, muito insipiente.
E assim era de tal forma vera que quando o Rei Moço, antes de Alcacer Quibir, passou por aqui para ajoelhar em gesto de veneração à heroicidade de D.Afonso e à bravura dos seus feitos ,teve de pernoitar em Entradas, porque neste sitio não havia casa com dignidade para acolher sua Alteza .Findava então o Sec. XVI.
Cerca de meio século depois e tendo já finado o dito D.Sebastião ,sendo o rei de Espanha soberano de Portugal, funcionou de novo o reflexo do "Milagre de Ourique".
Na altura , a Igreja dos Remédios ou das Chagas do Salvador , templo evocativo da bravura afonsina, evidenciava ruínas atentatórias da memória que evocava ,e para fazer face a custos inerentes ao restauro, transferiu-se para aqui uma feira antes existente em Padrões, com o propósito de suportar com os rendimentos dos respectivos terradegos tais despesas inadiáveis .
Foi a partir daqui que praticamente nasceu e ganhou dimensão de realce o "Crasto" .
Este é o segundo vector pelo qual passa a afirmação deste lugar ,sendo no nosso entender a feira,o factor mais decisivo para que aqui se forjasse um aglomerado urbano crescente em tamanho e nomeada .
Por outro lado, a feira ganhou com a mudança e aqui veio rapidamente a florescer graças à posição geo-estratégica que ocupamos .
Foi grande a oposição externa consubstanciada em acções diversas que só o tempo e uma decisão judicial acabaram por dirimir. Lembra-me ,a propósito, uma história recente relacionada com o Centro de Saúde de Castro , da qual se infere que o reconhecimento desta terra como pólo de inegável importância sub-regional de quando em vez vem à tona.
Mas mais tarde, já nos nossos dias, a exploração mineira em Neves Corvo, constituiu a terceira coordenada determinante de nova vitalidade económica e comercial do lugar imprimindo-lhe novo salto em termos de crescimento urbano.
Das armas de Castro ,fazendo jus à gratidão e à memoria das gentes ,constam o primeiro e o ultimo vector antes referidos mas ignora-se o segundo.
Despreza -se hoje, tem-se alias vindo repetidamente a menosprezar, a razão vital que tornou um lugarejo num burgo aglutinador da confluência de interesses diversos ,para onde convergem anualmente, como que por impulso ,milhares de almas ,em negócio ,em romaria , quase em devoção.
A feira deveria ser o ex-libris desta terra em nome da história e da razão de existirmos .
De facto, embora agora já se tenha perdido muita da mística e voltemos as costas à feira, a empurremos cada vez mais para longe de portas ,maldizendo o dia e meio da sua duração, dantes abríamos-lhe as casas os braços e o coração.
Metade da vila de antanho foi construída às tensas da feira, de todo o alentejo ,lavradores e mercadores vinham aqui fazer casa para utilizarem na semana da feira. Eram as "casas de pousada" que deram nova dimensão à terra e durante o ano inteiro serviam de morada a trabalhadores locais que as ocupavam sem renda , ficando o uso pela sua manutenção e guarda.
Paralelamente ,as casas restantes, nos dias da feira eram juncadas e nos quartos ,casas de fora e corredores, apinhavam-se de gente que nelas faziam quartel . Nos quintais abriam-se poços e cisternas e faziam-se grandes cavalariças para receber as alimárias que pagavam um tanto à argola. Tudo era ganho ,tudo era proveito.
Fora disso, valia mais ainda a vibração espiritual proporcionada a residentes e feirantes pelo desejo crescente de vir, de receber, de conviver e partilhar emoções. E este sentimento enformou o estar das nossas gentes , proporcionou-lhe a abertura de horizontes que têm. Ensinou-os a conviver com tendeiros, receber forasteiros e respeitar os ciganos ,num misto de altivez e de humildade.
È Outubro. Chegou a Feira . A tradição ainda corre pelas ruas de Castro.