sexta-feira, novembro 09, 2018

CRÓNICA DA NOITE DE DESPIQUE E BALDÃO NA FEIRA DE CASTRO.

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A NOITE DE DESPIQUE E BALDÃO NO
SÁBADO DA FEIRA DE CASTRO É JÁ
UMA TRADIÇÃO INCONTRONÁVEL.

Este ano voltou a ter lugar no Forum Municipal, com uma sala muito bem preenchida ,apesar de à mesma hora estar a decorrer na Praça da Republica, um concerto do grupo Zaranza, que tem um apelo muito apaixonado, por ser um grupo de gente músicos dos anos 70 nturais da Vila.
Penso que deveria ter havido mais cuidado com estas sobreposições, pois , como não se pode estar ao mesmo tempo em 2 locais diferentes ,impediram o desfrute dos 2 espectáculos a muitos interessados em ambos.

Recordo, antes de iniciar a publicação da imagens, ,um texto de José Francisco Colaço Guerreiro, responsável por ter tazido para a Feira de Castro esta tradição da noite de despique e baldão, que é bem ilucidativo, da verdadeira génese do fenonómeno:


O CANTE DO BALDÃO


Em volta de uma mesa sentam-se os cantadores, normalmente juntinhos e sobre a mesma dispõem-se os copos e coloca-se o mais. Buscam posições, procuram parceiros, trocam olhares fugidios, disfarçadamente miram a aparência dos concorrentes, tossem, pigarreiam, limpam a garganta, passam sugestivamente a mão pelo pescoço e invariavelmente lamentam-se pela sua fala que hoje para nada presta.
Tenho estado tão constipado ... se calhar até nem canto, é o costume dizerem.
Mas cantam sempre, é uma desculpa adiantada para qualquer falho ou para iludir os outros se eles se fiarem nas queixas.
Entretanto, todos se aconchegam, ajeitando-se nos lugares para darem largueza ao tocador. E a campaniça começa a retenir a moda da marianita do princípio ao fim. Sempre assim foi e assim será. Tal como o rumo das cantigas, segue obrigatoriamente o percurso inverso ao sentido dos ponteiros do relógio. É um preceito. Uma regra que ficou estabelecida desde o início deste cante para que cada vez que se juntam não tenham de estar a preocupar-se com os pormenores da volta.
Mas depois dos primeiros acordes, os olhares fixam-se na boca e os sentidos nos dizeres do cantador que é o mão. Cresce a tensão, aumenta o desejo, redobra o frenesim e o silêncio do principiante é insuportável. O tocador que já percorreu a moda ponto por ponto então sustem-se, já não abala, pisa as cordas com os dedos esquerdos e desata a repetir a chamada com a unha acrescentada do polegar direito fazendo soltar à viola ganidos de impaciência. Chegados aqui, o cantador já sem saída, ganha fôlego, fecha os olhos, enterra a boina e lá vai.
Lançada a primeira cantiga, as demais já se sucedem sem tanto receio, naquele dito rodar às avessas do tempo.
Enquanto a vez não chega, matina-se na cantiga seguinte, debica-se no petisco e vazam-se os copos. Pouco se fala para não entreter, para não fazer fugir o tino e a rima.
E aos dizeres dos cantadores os outros respondem no flagrante só com incontidos acenos de cabeça ou piscadelas de olho furtivas.
Quando chegar a sua vez logo ripostam se for caso disso e se a habilidade lhes bastar. São regras, são preceitos.
O cante depois começa a buscar-se a si próprio, engendra um fundamento, tem de encontrar um rumo. E a poesia fervilha, repentista, cortante, às vezes marota. De tudo se trata, ali tudo se diz, rimando, com uma musicalidade e uma entoação que nos transportam longe.
Os cantes são desafios à imaginação, à inspiração e à resistência. Duram horas a fio, sempre sem quebras nem pausas, penetram pelas madrugadas como se o tempo a cantar não contasse.
O tocador nada lhes diz, ouve-os, olha-os, de quando em vez deixa escapar um sorriso. Os outros levantam-se nos intervalos da sua vez quando precisam de despejar o bebido, mas o mestre aperta-se, sustem-se, para não quebrar a magia que a viola e o rodopiar das razões geram em volta da mesa.
Discutem mil assuntos, acertam contas antigas, mas filosofam invariavelmente acerca da valia da honra, do dinheiro, do ferro, do ouro, do campo e da serra.
Que saber o seu, que arte a deles.
Do fundo de tal tempo, guardam a memória de cantares antigos, de génios andantes que de feira em feira ganhavam sustento e acrescentavam a fama.
Derivado do despique este cante arreigou-se nas fraldas da serra*, ali se forjou e ali perdura, alimentado pela seiva de gentes ricas em valores tradicionais e senhores plenos da sua identidade.
Readquiriu, recentemente, grande fôlego esta expressão vocal e poética tendo os seus intérpretes voltado a sentir brio na sua arte. O baldão furtou-se a uma morte anunciada e ganhou alma, alento, adeptos, ouvintes, apreciadores. Tem, presentemente, tudo o que é necessário para vencer o esquecimento e continuar a cantar-se no sentido inverso ao dos ponteiros que marcam o ritmo dos dias.

José Francisco Colaço Guerreiro.


A sessão teve 2 partes.
A primeira, com alunos de viola campaniça da Cortiçol
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No intervalo para a 2ª.parte, o poeta popular MANUEL MARTINS MIRA, mesmo sentado na plateia, disse o seu famoso poema adeus ó feira de castro:



a que se seguiu a tradicional homenagem ao cantador de baldão, escolhido por votos dos companheiros, no ano anterior, e o incio da sessão .começamdo pelo despique, seguido do Baldão.