sábado, abril 09, 2005

DANÇAS CAMPANIÇAS

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DANÇAS CAMPANIÇAS

JOSÉ FRANCISCO COLAÇO GUERREIRO

Os novos nem sonham e os mais velhos só lembram que aqui ,na terra da quietude, as gentes bailavam. A toque de viola, flaita ,concertina ou movidos simplesmente pelo cante, os pares marcavam os ritmos do fascínio e da paixão , em danças que se repetiam noite fora.

Bailes cantados, exercícios vocais e poéticos que aliavam a melodia e a rima ao toque carnal tão desejado.

Namoros que se faziam e se desmanchavam à custa de uma cantiga, por mor de uma resposta.

Vinha também à tona a malandrice de alguns , misturada às vezes com o arrojo que aos forasteiros não era permitido:

Um copinho, dois copinhos,
Tres copinhos de aguardente
As moças desta terra
Fazem andar um homem quente



Para atalhar, logo no flagrante, algum pai, mano ou namorado incomodado ,também cantando e rimando respondeu:

Um copinho, dois copinhos,
Três copinhos de licor
Levas com um banco nos cornos
Passa-te logo o calor.


Nas casas dos montes ,para a vizinhança, ou nos celeiros das aldeias para adjuntos maiores, dançava-se sempre, dançava-se muito, ao uso da moda .Bailes de roda, bailes encadeados ,baile dos arquinhos ,todos eram tradição arreigada entre as gentes campaniças que faziam destas práticas o modo primeiro da sua distracção. Quem cantar sabia, tinha primazia ,porque fazia figura nesses balhos onde a voz e a poesia eram a mola real do evento.

Dum lado os homens, doutra banda as mulheres, com as mães atentas. Nas paredes penduravam-se as candeias e mais tarde os candeeiros para alumiar. Tal dia ,às tantas, há baile às tensas de qualquer coisa e fulano já ofereceu o petróleo, anunciava-se de boca em boca.

Dada a ordem para a dança ,uns fitando nelas, outros de cabeça baixa, avançavam para as escolhidas perguntando: Vamos abatê-las?

E quase sempre respondiam: Abatê-las vamos! Lá davam as mãos. Lá se agarravam. Toques que valiam por mil sonhos.

De inverno os homens dançavam de capote vestido e cajado pendurado no braço, preparados para as cenas piores que podiam derivar do ciúme ou de alguma alarvidade.

Uns tinham sorte, outros ,como agora, calhava-lhes sempre a mais feia para a dança.

Noites à fio, depois dos trabalhos, retemperavam-se forças à custa do viço.

Voltas e mais voltas ,no chão de terra batida ,no verão juncado de mantrastos e junça que mesmo assim , não evitavam o pó que se levantava fininho e ao misturar-se com a fuligem das iluminarias, ia colar-se nos rostos suados dos dançarinos.

Cantiga atras de cantiga, desafios de namoros e invejas, trocas de razões sempre rimadas, voltas e passos marcados, eram os ingredientes de saborosas noites dançantes.

Mas agora ,nesta terra só se canta a moda, pensa-se que nunca foi doutro jeito ,não há memória de outros cantares e danças, por aqui, ninguém se lembra delas.

O resto do país , folclorizou e guardou parte da sua tradição. Nós, vimos tudo reduzido ao cante interpretado pelos grupos formais. O resto apagou-se, por culpa nossa e da política estranguladora do SNI. Valha-nos agora a memória e a vontade de quantos não se acomodam nem conformam com este cenário de desolação cultural e vão experimentando, em vários lugares ,o reinventar das danças e de outras praticas da tradição.