quinta-feira, janeiro 16, 2014

O CHEF PEDRO MENDES, PROMOVE A BOLOTA

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JÁ AQUI TENHO FALADO DAS QUALIDADES
DO CHEF PEDRO MENDES, DE COSTELA BEM
ALENTEJANA. E A SUA LUTA PELO USO
DA BOLOTA.

Porque é que deixámos de comer bolotas?



À frente do restaurante do Hotel Marmòris, em Vila Viçosa, o chef Pedro Mendes quer trabalhar os sabores alentejanos e sente-se um homem com uma missão: recuperar a bolota para os nossos pratos.


A cozinha de Pedro Mendes é muito mais do que bolotas, mas o facto é que este chef, que há cerca de um mês assumiu funções à frente do restaurante Narcissus Fernandesii, do Alentejo Marmòris Hotel & Spa, em Vila Viçosa, tem o seu nome ligado a um projecto: a tentativa de relançar a bolota na alimentação dos portugueses.

“Ando sempre à procura de alguma coisa diferente, e achei um disparate que a bolota tivesse desaparecido das nossas mesas quando no passado fez parte da alimentação dos lusitanos. Além disso é um produto versátil”, explica Pedro Mendes, no final de uma refeição no Marmòris, em que acabámos de conhecer alguns dos pratos que criou para a nova carta do restaurante – entre os quais umas plumas de porco com amêijoas, numa versão da carne de porco à alentejana, acompanhadas com batata com mostarda e, claro, bolota assada.

“Foi muito usada em farinha, para fazer pão, por exemplo. O problema é que acabou por ficar muito associada à fome e à escassez” e as pessoas afastaram-se dela. Conta que das primeiras vezes que foi até ao Alentejo para tentar descobrir mais sobre as bolotas perguntava às pessoas se as comiam e ninguém admitia que as tinha comido. “Por isso decidi lançar-me nesta missão”.

Para provar que a bolota é realmente versátil, acaba de lançar o livro O Renascer da Bolota, com uma série de receitas que criou para mostrar de que formas podemos cozinhar e comer aquilo que muitos vêem apenas como comida para os porcos. E neste momento tudo parece conjugar-se para que Pedro Mendes consiga provar a sua tese: não só foi convidado para trabalhar no Alentejo (e bolotas não faltam) como estamos na época certa para apresentar uma carta de Outono-Inverno que as inclua.

Outro exemplo da forma como a bolota pode ser integrada num prato é-nos dado com uns bolinhos de farinheira e bolota acompanhados de uma compota de cebola roxa que Pedro Mendes apresenta como uma das entradas, ao lado de uma batata-doce com bacalhau e coentros e de um shot de creme de fava com nata trufada.

De seguida, apresenta uma vieira enrolada em salmão fumado com ovas de salmão e algas – um prato que não tem muito de alentejano. Mas o chef explica-se. “Fazem-me alguma falta os produtos do mar”. É que, na sua carreira, este lisboeta de origem, hoje com 39 anos, e que passou pela Bélgica, Holanda, França, Inglaterra e Irlanda, trabalhou em Lisboa (no restaurante 39 Degraus, da Cinemateca Portuguesa, depois no MMCafé do Teatro Maria Matos, e no São Jorge Café, do Cinema São Jorge) antes de se mudar para o Algarve, onde chegou a abrir um espaço próprio, o Restaurante & Taberna by Pedro Mendes.

Por causa dessa falta do mar, trouxe consigo para o Alentejo outro dos produtos da sua eleição: as algas. Usa-as na vieira, mas também na sua versão da sopa de tomate com cação. “Faço o cação escalfado em caldo de algas e fica com sabores mais frescos”. Quer “respeitar os sabores da terra” e apresentar no Narcissus – um templo de mármore, de cinco estrelas, edificado num antigo lagar de azeite, com 40 quartos e cinco suites – uma cozinha alentejana, porque acredita que é “aquilo a que os portugueses estão habituados e o que os estrangeiros procuram”.

É, portanto, um caminho mais tradicional, aquele que o Narcissus está a seguir, depois de uma fase de lançamento com o chef Alexandre Silva (ex-Bocca, e actualmente na Bica do Sapato), que tentou um estilo de cozinha mais experimental.

“Só respeitando as raízes podemos começar a criar”, defende Pedro Mendes. “O grande desafio da cozinha hoje é conseguir pintar os pratos de maneira aprazível mas mantendo os sabores. Não há elogio maior do que ouvirmos dizer ‘isto lembra-me a minha avó’”. O outro grande desafio que enfrenta neste momento é conseguir os produtos com a qualidade que pretende. “O fornecimento não é fácil. Tenho que andar pelas quintas à procura dos melhores produtos e tentando perceber quem é que dá garantias de os fornecer com continuidade”.

De resto, está satisfeito. Tem na cozinha um jovem colaborador com uma paixão por pastelaria, ao qual dá algum “espaço para criar” (e o petit-gateau com gelado de ovo que provámos estava muito bem conseguido). Mas a carta, que apresenta sobremesas divididas entre a “inspiração conventual” e “o que é doce nunca amargou”, inclui outras propostas, como por exemplo umas azevias em algodão doce e crocante de canela – azevias de mel e bolota, claro.