quinta-feira, abril 08, 2004

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IR À TERRA
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Desde que conheço Castro Verde, já lá vão 36 anos, fiquei ligado àquela terra, àquela região.
É sabido, diz-se amiúde, que os naturais de Lisboa, como eu, "não têm terra", o que leva a que, nas quadras festivas e nos períodos de férias grandes, quando a capital se começa a esvaziar de residentes, a caminho da (sua) terra, os lisboetas, sintam um certo "vazio" ,uma pontinha de inveja.
Gosto muito da Lisboa, é a minha cidade, sinto-me muito identificado com ela, contudo, já não compartilho aquele tal desconforto que sentem os meus conterrâneos. Agora, é com certo alvoroço, com "uma véspera de sono agitado", que estou de partida para a "terra" no dia seguinte.
Castro Verde, é já também a minha terra.
"Este fim de semana vou à terra" , ja dei comigo a pensar.
A "terra física", mas sobretudo "a terra emocional, de identificação com o "luogo totale", com as pessoas que gosto, com os seus hábitos, o seu "receber", o seu "dar-se", a química que agora funciona quando nos falamos, trocamos ideias, identificamos sinais, quando tomo o pequeno almoço no Café César, ali na Praça da Républica, , quando compro o "Expresso" e" a Bola" na Tabacaria ao lado, ou na Estação das Camionetas, quando desço a rua da Cooperativa até ao recinto da Feira onde sempre me espanto,deliciado,perante a imensidão da planície, amarelo-torrada, no Verão, verde-erva no Inverno. Confesso que prefiro a côr dourada do Verão, por que é o que faz a diferença do resto do país. Agora já tenho história naquela terra, já criei os meus liames, as minhas saborosas rotinas.
Ir ao Monte da Ribeira, sentir o cheiro da terra, imaginar aquela casa em plena azáfama em dia de colheitas, ou sementeiras, transportar, situar naquele espaço-físico que se me depara, as "estórias" que tenho ouvido sobre os seus serões em família, os contos, as adivinhas, os cantares, os ralhetes, os sonhos. As brincadeiras sem fim de nove gaiatos à solta, as chegadas dos "moirais" com estórias fantásticas, as passagens dos malteses a caminho de sítio nenhum, os banhos na Ribeira de Cobres,



as visitas das meninas do Pardieiro,as malgas de café da Tia Anica do Forno da Cal.
Tudo isto são registos que já povoam o meu imaginário. É já a minha história alentejana.
J.Júlio Herdeiro