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Crónica escrita em1972
por
JOSÉ FRANCISCO COLAÇO GUERREIRO
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AO ROMPER DO DIA.
Nas manhãs orvalhadas pelas veredas serpentinas, lá vão os ranchos rompendo o dia em cantigas alegres.
O Sol ainda se esperguiça por entre os montados, as poças do caminho ainda estão vidradas pelo frio da noite e os pastores almoçam sopas nas malhadas de penumbra.
Moços pequenos, estenguidos com a geada que ainda alveja nas bermas do caminho e no palhuço das estrumeiras, correm à frente das mães inchadas de sono.
A Evangelina, que costuma começar as modas, hoje não canta nem conta novidades.
A tia Jesuína que já fez mais de sessenta mondas e tem os filhos e alguns netos "lá fóra", abana a moça fria e dá as duas carcachadas irónicas.
A passarada já começa a esvoaçar pelos céus de vapor e vai poisar nas árvores onde as cegonhas arraias fazem ninho..
Os homens que lavram a terra com charruas e arados já comeram pão com azeitonas e fazem-se ao caminho com parelhas fumegantes. No monte as moças vão ao poço, a mãe faz os despejos atrás do manturo, varre o portal e cáia a chaminé tostada pelo borralho da véspera.
As galinhas já sentiram o dia e os galos sobre o tendal do carro velho cantam a despique.
Cada qual governa a vida à sua maneira, debaixo da pipa da água que pinga, os gatos disputam com o perú uma espinha que tido ido na água engorcinada do balde.
Os porcos afossam o trigo e o porcariço incauto faz um cigarro de musgo de azinheira.
O rafeiro cativo impacienta-se com a espera das sopas de rolão do costume e late indignado.
O tio Branco "barre" a casinha com a vassoura de mata pulga e faz ranger o carrinho-de-mão até à estrumeira atrás do monte.
-Quita,quita, quita...no balão do avental de lã a bicharada já sente a alimpadura e corre em alvoroço até ao calcadoiro onde esta vai ser semeada.
Meio-dia passa sem os Homens olharem os seus destinos...
É hora de jantar e nem a sombra amiga dum chaparro fará comer Evangelina que é quem costuma começar as modas e hoje não canta nem conta novidades...