quarta-feira, junho 02, 2010

"O PRANTO DE MARIA PARDA" esta noite no CINETEATRO DE CASTRO VERDE

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NO CINETEATRO DE CASTRO VERDE

ESTA NOITE, NO ÂMBITO DO PRIMEIRO
DIA DAS COMEMORAÇÕES DOS 500 ANOS
DA DOAÇÃO DOS FORAIS DE CASTRO
VERDE E CASEVEL, VAMOS TER A PEÇA
DA COMPANHIA DE TEATRO "A BARRACA"

"O PRANTO DE MARIA PARDA"



"O Pranto de Maria Parda.
Fundamentalmente o itinerário de uma privação.
Privação dolorosa, insustentável. Privação que impõe a figura da Morte.
E aqui vem Mário Sá Carneiro.
Da falta à irrisão. À ascese.
Maria Parda no barco de Dionísio, à volta do mundo, do vinho e do teatro.
Com Caronte e Rimbaud."

- Maria do Céu Guerra

Espectáculo premiado pela Unesco (Expo Sevilha'92) que põe em cena o século XVI e a Lisboa das Descobertas, através de uma alcoólica de rua que é como que um resto de uma grande aventura nacional, “a expansão”. O vinho e o cómico, desde sempre aliados no teatro, produzem nesta obra um momento alto que tem permitido ao longo dos tempos grandes representações que ficaram históricas: Aura Abranches, Palmira Bastos, etc. Maria do Céu Guerra é a representação viva desse enorme personagem que é Maria Parda de Gil Vicente.

Victor Pavão dos Santos, crítico e fundador do Museu do Teatro disse em “O Jornal”:

“Que me recorde, vi este monólogo interpretado por Aura Abranches, Palmira Bastos, etc. e sempre saí lamentando que um texto tão interessante resultasse tão chato. Pois com a Maria do Céu Guerra, de tal modo a recriação é feita por dentro de tudo aquilo que diz, ainda a esta hora eu podia estar lá, a vê-la que, tenho a certeza, não estaria chateado. Tá dito.”

MARIA DO CÉU GUERRA

Estreou-se no Grupo Cénico enquanto universitária. Foi um dos elementos do colectivo que fundou o espaço da Casa da Comédia. Participou na fundação do Teatro Experimental de Cascais onde viria a profissionalizar-se.

Fez revista e comédia no Teatro Variedades, Teatro ABC, e no Teatro Villaret, com peças originais de Francisco Nicholson, Mário Alberto, Nicolau Breyner, Gonçalves Preto e Rôlo Duarte, entre outros.

Foi uma das fundadoras do Teatro A Barraca, onde tem centrado a sua actividade profissional.

É directora, encenadora e actriz desta companhia, que conta já com 27 anos de actividade. Entre as dezenas de peças em que participou como actriz na Barraca não se pode deixar de mencionar o emblemático espectáculo “O Pranto de Maria Parda” de Gil Vicente, em que participa como co-autora de dramaturgia, figurinista, encenadora e actriz, com o qual ganhou o Prémio UNESCO para a difusão das artes na Expo'92 em Sevilha, e com o qual participou em inúmeros festivais em todo o mundo.

Mais recentemente protagonizou “A Relíquia” , de Eça de Queiróz, numa versão musical de António Victorino de Almeida.

Fez também diversos recitais de poesia dos quais se destaca “Pessoalmente 4 Poetas” com o qual já realizou mais de 60 sessões em todo o país.

Dos mais recentes trabalhos de encenação destaca-se o ciclo “P'la Mão de Gil Vicente” , no âmbito das comemorações dos 500 anos sobre a primeira representação do mestre Gil, que decorre desde Maio de 2002, composto por “A Comédia de Rubena” , “O Velho da Horta” , “A Farsa de Inês Pereira” e “O Auto das Fadas” .

Das suas participações mais recentes em televisão de salientar a participação SIC, protagonizando a sitcom “Residencial Tejo” e no cinema, de onde se destacam as longas-metragens "O Mal Amado" e "A Guerra do Mirandum" de Fernando Matos Silva; "A Fuga" , de Luis Filipe Rocha, "Crónica dos Bons Malandros" , de Fernando Lopes; "A Moura Encantada" , de Manuel Costa e Silva; "Saudades para D. Genciana" de Eduardo Geada, “Portugal SA” de Tino Navarro e “O Anjo da Guarda” de Margarida Gil entre outras longas, médias e curtas-metragens.

Ficha Técnica e Artística
Texto: Gil Vicente
Encenação: Maria do Céu Guerra
Elenco: Maria do Céu Guerra
Adereços: Vitor Sá Machado | Luz: Manuel Mendonça



Prémio Unesco da Expo de Sevilha em 92, entre 50 000 espectáculos, transformou-se há muito tempo num símbolo internacional da Cultura Portuguesa

Frei Luis de Sousa:

Padecia neste tempo o reino de Portugal calamitoso aperto de fome. Porque, quanto mais corria o ano de 22, em que vamos, tanto maior era o trabalho.
Crescia a falta, gastando e comendo o povo esse pouco pão que havia.
Castela não podia ajudar, porque a esterilidade no ano de 21 fora igual nela.
De França não vinha nada, respeito das guerras que trazia o imperador.
Os pobres do reino acudiam todos a Lisboa arrastando consigo as suas tristes famílias, persuadidas da força da necessidade que poderiam achar remédio onde estavam o rei e os grandes. Mas aconteciam casos lastimosos. Muitos caíam e ficavam mortos e sem sepultura pelos caminhos, de fracos e desalentados.
Os que chegavam a Lisboa pareciam desenterrados, pálidos nos sembrantes, débiles e sem força nos membros. Dinheiro não aceitavam de esmola, porque não achavam que comprar com ele. Só pão queriam; e este não havia quem o desse.
Porque algum que às escondidas se vendia, era a quatrocentos e cinquenta réis o alqueire; o centeo a duzentos réis,; o milho a cento e cincoenta, que para aquele tempo era como um prodígio.

Frei Luis de Sousa, Anais de D. João III, com prefácio do Prof. M. Rodrigues Lapa, Lisboa, 1938, pp. 64-65


Notas de Luciana Stegagno Picchio «O Pranto de Maria Parda»

A corte portuguesa estava de luto.
Dom Manuel o monarca esplêndido e magnifico tinha morrido em 8 de Dezembro de 1521. NO dia 19 de Dezembro do mesmo ano foi aclamado o novo rei de Portugal, na pessoa de D.João III. E o ano de 1522 em que foram suspensas, em sinal de luto, as representações do Palácio, deve ter sido para Gil Vicente um ano pouco brilhante. Neste clima nasce o Pranto de Maria Parda.
Quando se pôs a escrever para teatro, a inventar «isto cá», segundo a expressão de Garcia de Rezende, Gil Vicente seguiu o modelo das personagens das éclogas de Encina, das danças da Morte Medievais e das correspondentes alegorias de que era feita esta cultura. Nem os pastores saiagueses, nem a Fama ou a Fé, o Frade ou o Judeu são criações suas. Como não são as figuras bíblicas, os doutores da igreja, os cavaleiros do Rei Artur, o Amadiz e Dom Duardos, os deuses da mitologia ou as mouras encantadas.
Gil Vicente escreve para a corte, e a corte está habituada às representações alegóricas dos «momo», quer das obras devotas para celebrar o natal, a corte quer santificar-se rindo, quer as paráfrases dos Salmos, a vulgata das Litanias. E GIL Vicente executa. A sua fantasia chega para tudo isto. Trepa os cumes góticos no Auto da Fé. Compõe o Auto Sacramental de São Martinho. FAZ-se pregoeiro da Cruzada Régia na Exortação da Guerra. Mas em 1522 a corte está cancelada e sombria pelo luto. E Gil Vicente sai a respirar uma lufada de ar fresco, pelas ruas de Lisboa. Rodeia-se da turbamulta, dessa arraia – miúda da qual ele saiu. Esse ovo que fala a saborosa e imediata linguagem da Ribeira. Que a cada momento recorre a provérbios e frases feitas que ressumam vida e experiência, um povo que comenta, protesta e ri, sem papas na língua e sem respeitos hipócritas pelas conveniências. Como estamos longe dos caracteres falsos e literários dos pastores saiagueses…
…aqui não se apresenta o além-túmulo através de figuras de anjos e demónios, a vida não se limita aos pecadores condenados ou salvos. Aqui é a terra dos homens e mulheres com os pés assentes no chão, gente que ronda a rameira para encontrar a hospedaria, homens e mulheres que sabem o que é a Guiné. Aquela Guiné donde a corte recebe os seus proventos e que é, essa sim, o verdadeiro inferno para os brancos e negros. Gil Vicente escuta, sorri, anota. O seu finíssimo sentido linguístico sugere-lhe o arcaísmo na boca da comadre, o provérbio castelhano na boca do vinhateiro espanhol, o dito dissonante mesmo quando a economia da estrofe exigiria a rima perfeita.
Com Maria Parda o intento de Gil Vicente é cómico. A personagem é caricatural, grotesca, absurda: mas é viva. O seu monólogo é como um delírio que culmina na cerimónia do testamento, louco, grandiloquente, com a mania das grandezas que só a demência pode conceder. Mas a linguagem é dos nossos dias, e dos nossos dias são os provérbios proferidos e os ditos libertinos do texto.
Através de Maria Parda ouve-se um coro de outros bêbados. Que reflectem os males de uma cidade assediada pela fome e pela sede:
“ Eu só quero prantear
Este mal que a muitos toca...”

Maria Parda não pode ter outro fundo que Lisboa, a Lisboa da Ribeira e de Alfama, a Lisboa da Rua do Cata-que-farás, da Mouraria, da Praça dos Canos e da capelinha do Espírito Santo.
Um mundo que se debruça no fabuloso estuário do Tejo – com a Ribeira à direita e à esquerda Almada, Barreiro e Alcochete. Um mundo que se confina por terra na Arruda dos Vinhos, Abrantes e Atouguia, nas “costas” de Lisboa e que tem “na outra banda” o “glorioso Seixal, senhor de outros Seixais”. Um mundo que reza às Santas da Atouguia e da Abrigada.
Um pequeno mundo para quem trabalha todo um império, mesmo em períodos de carestia, um mundo que ainda manda, mas às custas de “Entre Douro e Minho” e que não reconhece cidadania aos habitantes de outros “planetas” (...).