sexta-feira, maio 28, 2004

AS CAMPONESAS DE CASTRO VERDE

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O cante alentejano, cujas origens se confundem e mergulham no canto gregoriano segundo uns ou nas profundezas do espírito árabe no entender de outros, é o traço cultural mais vincado do Povo que entre o Tejo e a serra algarvia vive na largueza dos horizontes.

Canto polifónico, de letra singela, deixa à melodia quanto se pretende transmitir. O sentimento que sobressai nas vaias prolongadas, impõe-se como queixumes contidos disfarçando mesmo alguma alegria que os dizeres possam sugerir.

Cantava-se à ida para o trabalho, no trabalho e depois do trabalho sempre colectivamente. Começa um ponto, um alto levanta a moda, canta depois o coro, em uníssono como junta as fraquezas para fazer a força que lhes concede o prazer do brado que se ouve mais longe.


Quando há meio século o cante passou a ser ensaiado e gerado em Grupos Corais, já sem carácter expontâneo, já com propósitos distintos do cantar porque apetece, assistiu-se à marginalização das vozes femininas.

As mulheres ficaram de fora, as mulheres calaram-se porque o seu estatuto, a sua condição e o seu papel não permitiam que andassem em Grupos a cantar em público por aqui e por ali.

E isto aconteceu durante décadas em que o silêncio das vozes delas constituía uma afrontra e uma perda que não se podia prolongar sob pena de a nossa Cultura passar a ser meia verdade.


Assim, em Março de 1984, sob a égide da "Castra Castrorum" - Associação de Defesa do Património Natural e Cultural do Concelho de Castro Verde, um grupo de mulheres quebrou o medo e a mudez, formando um Grupo Coral Feminino que logo em Junho desse mesmo ano obteve o primeiro lugar no concurso do traje que se realizou em Beja.

Desde então, têm-se multiplicado as actuações do Norte ao Sul do País, levando, qual embaixada, o testemunho fiel da nossa Cultura genuína.

As modas que cantam resultam de aturadas pesquisas em que se montam, peça a peça, sílaba a sílaba, versos esquecidos, estilos perdidos e costumes abandonados na pressa imposta pela corrida atrás do "progresso".

Entretanto, contra a corrente, enfrentando os ventos adversos como todos os que ousam, em Castro Verde um grupo de mulheres afirma-se elevando-se individualmente e arroga-se colectivamente o direito de defender a sua Cultura cantando de novo as modas que há muitos anos atrás cantavam na ida para o trabalho, no trabalho e depois do trabalho.

quarta-feira, maio 19, 2004

OS MALTESES

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OS MALTESES PERCORRIAM O
ALENTEJO DOURADO, SEMPRE
PROCURANDO ONDE COMER E
DORMIR
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"Maltêz significa natural da ilha de Malta,
ou cavaleiro da Ordem de Malta.
Contudo em Portugal, sobretudo no Alentejo,
não se sabe bem porquê, atribuiu-se o nome
de maltês, a mendigos de passagem, índividuos
mal encarados, "homens desprezíveis". A pala-
vra maltês, é quase sempre empregada com sen-
tido prejurativo"

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As condições de vida no Alentejo, por meados do sec XX, eram muito penosas, e o número de pessoas sem trabalho fixo, ou mesmo, sem nenhum trabalho, era muito elevado, sendo a única possibilidade de sobrevivência, a esmola.
Parte desses homens que andavam de Vila em Vila, de aldeia em aldeia, e até de Monte em Monte, eram denominados malteses.
Ao contário dos ciganos, que chegavam a permanecer num sítio, por vezes, uma semana; os malteses, esses, nunca dormiam no mesmo sítio mais que uma noite, circulando sempre, entre os locais onde sabiam ter certa uma esmola, quase sempre em alimentos, como sopas de pão aletejano , migas, etc, etc.
Na região Castro-Almodôvar, os malteses circulavam, por exemplo, entre o Pereiro, o Barrigão, Monte-Gordo (ao pé do Rosário), Várzea da Fôrca, São Marcos da Ataboeira, Torre Vã, Do Testa, etc. etc-
No Do Testa, os senhores de terras da Casa Grande, instituíram mesmo, aquilo a que chamavam a Casa da Malta, ou Casa dos Pobres, onde diàriamente permitiam que os malteses pernoitassem, fornecendo sacos que estes enchiam de palha apanhada na eira, no monturo, e também lhes davam o jantar:
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"Olhem lá, vâo ali para o pé
da casa, quando soar a corneta,
venham, que têm uma sopa que
lhes damos
"
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diziam os da Casa Grande aos malteses que iam chegando dos caminhos.
O Tio João Guerreiro, maltês de São Marcos da Ataboeira, que andava sempre com uma concertina, por vezes, ficava mais de um noite, animando os serões com as suas modas e as suas estórias e ditos.
Os senhores de terras tinham vantagens em ajudar os malteses, pois, estes. eram gente pacata que não roubava, aceitando de boamente o que "generosamente" lhes ofereciam, e até defendiam a propriedade com a sua presença.
Um dos principais protectores dos malteses, (além do já falado, Senhor da Do Testa) era o José Nobre da Torre Vã. Era tal o Poder do fazendeiro que, todo o maltez que se acoitasse na Torre Vã, sentia-se protegido até da própria GNR, e dizia-se, que quem não queria ir à tropa, ia trabalhar para as terras da Torre Vã.
Alguns dos malteses passavam frequentemente no Monte da Ribeira. O Blé Careto, que era de Almodôvar, chegava a fazer pequenos serviços, como arranjar paredes, muros, "porteiras" e outros trabalhos.
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"Oh Tia Felicidade, hoje venho cá
almoçar, arranjei ali uma parede
...."
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Mas para ser maltês, havia que adquirir alguns conhecimentos básicos, como contava o Tio Abílio, no dizer do Zé Batista;
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"Havia como que um verdadeiro curso de maltês. Era
tirado na Marateca, e lá os "candidatos", aprendiam
a jogar o pau, e fazer migas, atiçando uma fogueira
debaixo da Ponte. Diz a lenda, que eles só estavam
preparados, quando atiravam ao ar as migas, e as
apanhavam, correndo com a frigideira para o outro
lado da Ponte
"
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terça-feira, maio 18, 2004

TRANSMISSÃO EM CADEIA

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colaboração de
JOSÉ A.BATISTA COLAÇO
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A comunicação, clara e segura
é de enorme importância, espe-
cialmente na tropa. Imagine-se
o que teria sido a perturbação
de uma transmissão mal entendida
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DIZ O CAPITÃO AO SARGENTO:
-"Vai haver àmanhã um eclipse do sol. Mande formar a Companhia em farda de trabalho na parada, onde explicarei o fenómeno que não acontece todos os dias. Se chover, não se verá e deixe a Companhia na caserna"
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o SARGENTO TRANSMITE A ORDEM AO FURRIEL:
-"Por ordem do nosso Capitão, àmanhã vai haver eclipse do Sol em farda de trabalho. Toda a Companhia forma na parada, onde o nosso Capitão dará as explicações, o que não acontece todos os dias. Se chover o eclipse na caserna."
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O FURRIEL DIZ AO CABO:
-"O nosso Capitão vai fazer um eclipse do Sol na parada se chover, o que não sucede todos os dias, não se vê nada; então o Capitão,dará a explicação em farda de trabalho na caserna."
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ENTÃO ,O CABO TRANSMITE A ORDEM AOS SOLDADOS:
-"Soldados, àmanhã, para receber o eclipse que dará a explicação sobre o nosso Capitão em farda de trabalho, devemos estar na caserna onde não chove todos os dias.
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POR FIM, COMENTÁRIOS ENTRE OS SOLDADOS:
-Amanhã, se chover, parece que o capitão vai ser eclipsado na parada. É pena que isso não aconteça todos os dias...

-"

sexta-feira, maio 14, 2004

DITOS , PROVÉRBIOS E POEMAS DO ALENTEJO

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AINDA DA RECOLHA DA PÁSCOA,
PUBLICA-SE HOJE ALGUNS
POEMAS E PROVÉRBIOS


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-A semente que se paga mais depressa , é a da língua
-Custa mais um mosquito no olho, do que pedra no sapato.
-Natal na rua, Páscoa no fogo
-Guarda pão para Maio e lenha para Abril, que não sabes o tempo que há-de vir
-No dia de São Matias emparelham as noites pelos dias, e correm as bogas pelas setias.
-Se não chover em São Braz, tarde a verás
-No mês de Abril, vai a velha onde há-de ir, e ainda volta ao seu covil.

POEMAS POPULARES.
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As moças da minha aldeia
Vão todas mijar à rua
dizem umas às outras
a minha é maior que a tua
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(dita por tio Pereirinha
pastor do Forno da Cal
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Não invejo o que é teu
carros e lindas parelhas
só me inveja as tuas botas
pr.a coleira das ovelhas.
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Pobre humilde mas sou
sincera para toda a gente
os abastados às vezes
mentem aquilo que sentem
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Não tenho amores nem quero
vivo assim muito bem
não dou e nem recebo
repreensões de ninguém
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Menina da saia azul
de casaquinho encarnado
diga lá por cantigas
quem é o seu namorado.
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O nome do meu amôr
trago na palma da mão
o nome do meu amado
a ti não te digo não.
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Contrária minha contrária
vamos fazer um contrato
eu fico com a pessoa
tu ficas com o retrato.

sexta-feira, maio 07, 2004

CASTRO VERDE E OS SEUS GRUPOS DE CANTE

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CASTRO VERDE tem 3 grupos de cante,
hoje falamos de um deles "OS GANHÔES
DE CASTRO VERDE"
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O cante dos Ganhões de Castro Verde é um hino à vida no Alentejo. O grupo nasceu em 1972 da restruturação de uma formação anterior. Em 1975 gravaram o LP "Castro Verde é Nossa Terra". Em 1980 gravaram o LP "Os Ganhões de Castro Verde" e ganharam nesse ano o 1º prémio do 1º Festival de Coros Alentejanos. Em 1993 gravaram o seu 1º CD, que foi considerado pela crítica especializada como o melhor disco de música étnica. Em 1993 participaram no Festival Internacional de Música Folk de Vancouver (Canadá). Em 1998 gravam o 2º CD, denominado de "É Tão Grande o Alentejo". Em 1999 participam no álbum "Primeiro Canto" de Dulce Pontes e integram a digressão nacional da cantora durante o Verão de 2000. Em Agosto de 2001, participam no Festival Internacional Glatt & Verkerht, na Áustria, onde abrem o espectáculo dos Madredeus, e são aclamados pelo público e pela comunicação social.

quarta-feira, maio 05, 2004

RECOLHA DE POESIA POPULAR

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QUANDO SE JUNTAM À
VOLTA DE UMA MESA
LOGO SURGEM MEMÓRIAS
DE POEMAS DITOS EM
BAILES, AQUI SE PUBLI-
CAM MAIS UNS QUANTOS

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Eu julgava que o amôr
era só mangar e rir
um dia fui experimentar
até me tira o dormir
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Não me inveja de quem tem
carros, parelhas e montes
só me enleva quem bebe
água em todas as fontes.
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Algum dia pra te ver
punha-me à porta da rua
agora já dou dinheiro
pra não ver a sombra tua
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Algum dia pra te ver
pulava sete quintais
agora pra não te ver
pulo sete e pulo mais.
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Amôr palavra tão doce
mas tão má de traduzir
amôr é como se fosse
lá longe a estrela a luzir

Ó ZÈ APERTA O CINTO

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CASA-DAS-PRIMAS, publica hoje
mais um trabalho de ZÉ ARSÈNIO

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do Grupo Zé Aperta o Cinto
(a ser cantado com a música
de "As Meninas do Sado").
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Já ...lá..vai mais um aumento
está tudo a aumentar
eu já não aguento
quando é que isto vai parar
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Hó...Zé aperta o cinto
Hó Zé aperta bem
o cinto bem apertado
Hó Zé fica-te também
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Hó Zé fica-te também
o cinto bem apertado
ó Zé aperta o cinto
aperta meu desgraçado
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Eu já estou todo chalado
já passei do sentido
de tanto apertar o cinto
já tenho cinto partido.

domingo, maio 02, 2004

TIO ANTÓNIO JESUÍNA ,DIZ POESIA

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Quando eu ia para a Semblana
vi um vulto na fronteira
enganei-me que era falso
saíu-me uma travisqueira
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Pulei leve que nem gato
pr.a cima duma azinheira
lá passei a noite inteira
vendendo cerol barato
capaz de alagar a beira
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Ó besta de raça do diabo
que eu não sei onde me tenho
que não te acolha o rabo
pra fazer um cedenho.
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Tanta passada que dei
à busca sem te achar
e abalei pró Carrascal
que era a minha obrigação
carregando sacos todo o dia
e não comia ração.
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O maroto do aguadeiro
que até lhe chamam brejeiro
pôs comigo num lameiro
que ia sendo uma desgraça
e se alguém por lá passa
quando eu me estava erguendo
o que havia de ir dizendo
sempre são bestas de má raça.
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Levem-me prá arramada
dá-me uma mão cheia de folha
uma fina e outra grossa
mais das vezes não é nada
pr.a cima lá vai varada
e o burro do diacho não come
se o sustento é a pancada
façam lá isso a um homem.
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Poema do Tio ANTÓNIO JESUÍNA