quinta-feira, junho 03, 2004

IDAS AOS BAILES

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De JOSÉ A.BATISTA COLAÇO
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IDAS AOS BAILES
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Idas aos Bailes


Numa altura pelo Carnaval, quando eu tinha dezanove anos, andava a querer namoriscar uma miúda muito gira ali para os lados do Brengelinho, onde havia um grande baile de Carnaval. Mas o Inverno estava bastante rigoroso, chovia muito, faziam grandes trovoadas, muito vento e a água cai por vezes com grande intensidade, logo o vento rasgava as nuvens, parava de chover e a lua aparecia como se fosse de prata e iluminava tudo em redor de nós.
Nesse dia resolvi ir ao baile, apesar da ameaça duma grande tempestade, que se adivinhava pelo rugido do vento e o negrume das nuvens que vinham do lado do Norte.
A minha mãe dizia para eu não ir, mas eu como andava com aquele desejo de namorar com a miúda, sempre fui.
Depois de fazer o meu serviço e deixar tudo tratado para o trabalho do outro dia, saí de casa pelas vinte horas, já com um escuro de breu - era noite cerrada.
Dei ar na roda da bicicleta, que estava um pouco vazia ( era uma bicicleta de travão de alavanca, que correspondia aos 4x4 todo o terreno que conhecemos actualmente ).
Passei pela estrada do Forno da Cal, passei o Porto do Seixo com a bicicleta às costas por cima das passadeiras e quando cheguei ao barranco da horta do Madraço ouvi uns ruídos e comecei a ter medo, pois constava que os malteses iam dormir no monte velho que se encontrava em ruínas e abandonado.
Saí para fora da estrada e meti-me pelo mato dentro.

Deixei a bicicleta e fui mais para o pé do barranco e abriguei-me atras dum chaparro grande que estava inclinado sobre o barranco. Como diziam que andavam lobos por aqueles sítios, os cabelos começaram a pôr-se de pé e eu tremia com medo, pois se os lobos aparecessem ali esfomeados, o mais certo era eles me comerem. Tentei acalmar um pouco e pensei. Só tinha uma maneira de sair disto...era subir para cima do chaparro e ficar por lá até vir a manhã. Assim fiz. Subi ao chaparro até a uma altura em que pensei que já não houvesse perigo... a uns dez metros. Mas havia outro inconveniente, as pernadas do chaparro aí , já eram muito delgadas e com o grande vendaval que se formou e com a chuva que caía, eu sentia-me mal seguro e resolvi ligar-me á pernada com o meu próprio cinto... apertei bem a fivela e já me sentia mais seguro, pois não tinha medo do vento me fazer sair do esconderijo, pois estava bem atado.
Pressenti algo estranho... dois homens aproximaram-se do chaparro e um disse para o outro – “ É neste chaparro que ele está.”. Eu fiquei estarrecido, só não caí porque estava amarrado ao chaparro com o cinto. Nisto, começaram a fazer uma cova mesmo debaixo de mim no fundo do barranco. Eu tremia de medo, de frio. Já tinha a roupa toda molhada e arrependia-me de não ter tomada os conselhos da minha mãe... eu jurava que não me meteria em mais aventuras por causa das moças... eu estava desesperado.
O vento soprava mais forte e a água caía mais fria. O meu pé escorregou da pernada e eu não caí ao chão por estar preso com o cinto. O vento calou um pouco e eu ouvi um dos homens dizer – “...a cova já tem profundidade suficiente.”.
As noite estavam tão escuras que eu mal via os homens lá embaixo. Foi nesta altura que o homem que parecia ser o chefe, perguntou – “Quem é que vai lá em cima desamarrar o gajo? ”. Aquele instante pareceu-me uma eternidade, sem saber o que fazer, atado como estava ao chaparro, não tinha qualquer hipótese ; foi então que me enchi de coragem e gritei com toda a força que me restava:
- NÃO É PRECISO VIR CÁ NENHUM, QUE EU MESMO VOU JÁ PARA BAIXO!!!

Os dois homens deixaram as paz e enxadas caídas no chão e cada um desapareceu no mato. Eu sentia as forças a faltarem-me, a chuva caía agora com mais força, o vento rosnava naqueles montados, o que impedia que mesmo que eu gritasse por socorro, ninguém me poderia ouvir. Veio uma rajada de vento mais forte, enrolou a copa do chaparro e eu tive a sensação que ia ser projectado para longe, senti um frio tão forte pela espinal medula. Creio que desmaiei por momentos. Quando dei por mim tinha os pés na forca das pernadas, e agora, já tinha condições de poder desapertar a fivela do cinto e sair daquela situação embaraçosa, mas as minhas mãos estavam tão geladas que quase não obedeciam aos estímulos fracos que vinham do meu cérebro. Apelei para todas as minhas forças e consegui soltar-me da pernada do chaparro, mas estava completamente exausto. Descansei um pouco para retemperar as energias.
O vento quase que se tinha calado, as nuvens rasgaram-se, a lua apareceu por entre elas a iluminar os montados, o carreiro molhado batido pela luz da lua brilhava e reflectia uma luz brilhante para o céu.
Foi nessa altura que eu acompanhando essa luz mágica, olhei para cima e vi um metro mais acima que a minha cabeça, os pés de um homem que estava enforcado no dito chaparro. Agarrei-me com mais força à pernada do chaparro, fechei os olhos, tive medo, chorei e comecei a acalmar e compreendi o que estava a acontecer.
Os malteses tinham brigado, tinham morto aquele homem e penduraram-no no chaparro até vir a noite para depois o enterrarem no fundo do barranco da horta do Madraço.
Veio uma rajada de vento mais forte, a pernada do chaparro deu um estalo, lascou até á forca mais próxima, e eu caí no chão...nesse momento acordei e... acabei o sonho, ou o pesadelo!!!