sábado, junho 09, 2007

CRÓNICA DA NOITE DOS POETAS POPULARES E FADISTAS ALENTEJANOS

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Pode dizer-se que o que aconteceu nesta sexta-feira dia 8, da Semana de Almodôvar em Almada e no Feijó, foi uma noite mágica.
Foi uma soirée de enorme qualidade e sucesso.
O Grupo Cultural do Feijó, e os seus dinâmicos dirigentes, em boa hora vêm mostrando uma enorme capacidade organizativa e de amôr pelas coisas do Alentejo, o que nos permitiu esta noite, uma vez mais, ter o privilégio de escutar e conhecer a arte destes talentosos poetas populares e fadistas alentejanos.
Já aqui tenho afirmado que não conheço nenhum alentejano que não faça um poema de vez em quando.
Nesta noite de magia, escutámos o que de melhor se verceja na Planície dourada.

A noite começou com o Francisco Esperança de Almodôvar a aquecer a sala de imediato com uma poesia dedicada à
"mãe, palavra querida, pequena ,mas muito amada"
poema muito forte, muito sentido, e dito numa voz segura e firme, que arrancou os primeiros aplausos.
No segundo tema trouxe-nos:
"Se o meu avô cá voltasse"
e logo foi adiantando que se isso por magia acontecesse,decerto ele muito se espantaria a vêr:
"o telefone, o avião, a telefonia e o radar"
e lá continuou encadeando as palavras com a mestria de quem domina a arte de vercejar.
Entusiasmado, não parou nas "combinadas duas poesias a cada poeta" e logo engatilhou:
"Fui um dia a Lisboa"
perante o agrado divertido da sala a aclamar de pé.

De Campo Maior veio a Rosa Dias, que com uma voz muto bem timbrada e segura falou :
"Dos tempos de então"
advertindo que :
"A História não é só Camões", "A História também é de quem cavava a terra então, quem amassava o pão"
e que
"Não é por magia que os ricos acumulam fartura e que os pobres a tudo falta"

Veio a seguir o poeta Abílio, que trouxe as suas reflexões em verso sobre:
"A vida é uma ilusão, contam-se pelos dedos da mão os momentos bons da vida"
Depois , acabou de uma forma mais descontraída ,a falar sobre "o pai da vida", arrancando saborosas gargalhadas a uma plateia divertida.
"Por fóra já não faz nada e em casa já pouco faz"
ainda que tenha sido
"Cumpridor e tenha tido o seu valôr"
agora já é mais
"Mandrião e amuado, por vezes aborrecido, amolecido"
já não era o mesmo dos tempos de glória...

O Dr.Alexandre Castanheira, de Almada, não sendo alentejano, mostrou o seu amôr pelo Alentejo, e disse com muita emoção dois poemas de um seu amigo já falecido, o Dr.Armindo Rodrigues, médico desinteressado que muito fez pelas pessoas sem recursos.

A seguir veio o Anibal Jesuíno do Monte Figueiras que reflectindo sobre a vida,lamentou os talentos que se perdem:
"no campo..morre esquecida tanta cultura perdida a cantar atrás do gado"
por nunca virem a ser conhecidos pùblicamente, e termina constatando que:
"se vês a terra virada que puxas pr'a cima das botas"
conclui que:
"quem passou a vida a cavar não aprende a contar notas"

O Luís Maçarico de Évora dissertou sobre a qualidade dos poemas dos companheiros de rimas que o precederam e propôs que se produzisse um DVD com estes poetas e a sua obra enquanto estão vivos.

Por último o António Baltazar da Graça de Padrões gritou aos quatro ventos o seu orgulho de ser alentejano:
"Eu nasci no Alentejo
é no Alentejo que eu habito
"
não se cansando de conclamar que:
"o Alentejo é lindo"

Acabou contando um episódio que terminou num poema que levantou a sala em palmas:
"Um dia fui a Lisboa, e quando quiz ir para um determinado sítio, perguntei a um lisboeta se um tunel ia dar ao tal lugar. O sujeito respondeu de mau modo e disse-me que :-Vocês alentejanos não sabem nada de Lisboa, deixem-se estar lá na vossa terra, o que é que você conhece de Lisboa?"

Aí começou o poema:

"Eu cá conheço o Saldanha e o Marquez de Pombal, o Castelo de São Jorge, o Aviz e o Principe Real, conheço a Segunda Circular, São Sebastião, o Marquez da Fronteira e a Marquez de Tomar; a Madragoa, o Politeama, a Penitenciária e a Cervejaria Goa, conheço a Avenida da Liberdade , o Parque Eduardo VII, a Pastelaria Suiça e o Estádio de Alvalade, conheço a Avenida Padre Cruz, a Praça da Figueira, o Campo Grande e o Estádio da Luz, e conheco também uma cigana...????. Olhei para o lado e o homem já tinha ido embora...!!!"

A plateia rompeu em aplausos, e de pé despediu-se do poeta.

A sessão já longa acabou com 2 fadistas nascidos no Alentejo
, ele o Miguel Martins de Almodôvar, ela a Ana Valadas.
Que bem que cantaram acompanhados pelas guitarras de Henrique Gabriel de Beja e pelo Rui de Ourique.

A sessão acabou em apoteose, com a sala a tributar aos jovens fadistas uma enorme e quente salva de palmas.
Aí fadistas.