sábado, julho 10, 2021

A LENDA DA BATALHA DE OURIUE

 Lenda do milagre da Batalha de Ourique

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Conta a lenda que a batalha de Ourique decorreu no concelho de Castro Verde, mais propriamente em São Pedro das Cabeças. Esta batalha foi o momento decisivo da independência do pequeno condado portucalense e que, no fim da peleja, Afonso Henriques foi aclamado pelos combatentes como rei.

Era noite. Véspera da batalha. Nos dois arraiais os guerreiros tentavam descansar.

Nas coloridas tendas mouras o movimento fora intensíssimo durante todo o dia. De cinco reinos haviam chegado homens aguerridos, decididos a não deixar progredir o pequeno exército dos cristãos. Tinham vindo muitos de Sevilha e Badajoz para se juntarem à hoste composta por gente de Elvas, Évora e Beja. Diz-se mesmo que tinha vindo gente de além-mar.

Durante o dia, não tinha havido descanso para ninguém. Os alfagemes afiaram alfanges, adagas, pontas de lança. As setas tinham sido cuidadosamente vistoriadas e guardadas nas aljavas. Os velozes alfarazes da cavalaria moura tinham tido ração suplementar e agora relinchavam respondendo aos puros-sangues árabes dos grandes senhores que, impacientes, esperavam pela acção, pelo combate. Enfim, era noite e a

algazarra que pairara todo o dia sobre o arraial esmorecera um pouco e só se ouvia como que um zumbir de moscas.

No acampamento cristão também agora pairava um como que silêncio, em comparação com a azáfama que se vivera de dia. Também os ginetes de guerra estavam prontos e impacientes; também as espadas tinham sido afiadas; os peões haviam experimentado as bestas para que tudo corresse como desejavam. Os guerreiros descansavam nas tendas, recostados em leitos improvisados com as peles dos animais mortos lá mais ao norte, nas selvas que bordejavam as suas tenências e propriedades.

Também Afonso Henriques estava recostado na sua tenda. Dera ordem aos escudeiros para que ninguém o incomodasse, a menos que a urgência fosse extrema. Não conseguia dormir. Pensava na batalha que haveria no dia seguinte, na enorme cópia de gente moura que se ajuntara contra a sua minúscula hoste. Corria até que o exército árabe tinha uma ala de mulheres guerreiras... Mas, era necessário vencer... Deus se encarregaria de mostrar ao infiel o seu poder pelo braço dos guerreiros.

Neste balanço se encontrava Afonso I quando o apanhou o sono. E nesse estado de semi adormecimento apareceu-lhe, como que em sonho, um ancião. Fez sobre ele o sinal-da-cruz, chamou-lhe escolhido por eus e alertou-o para a batalha. Entretanto, um pequeno ruído á cortina da tenda fê-lo acordar soressaltado: era um seu escudeiro que vinha dizer-lhe que estava ali um velho que queria falar-lhe com muita urgência.

Estupefacto, Afonso Henriques viu, na penumbra, surgir-lhe diante dos olhos, bem

despertos, o velho do sonho de há pouco:

- Tu, outra vez? Quem és afinal, ancião? O que me queres?

- Quem sou não interessa... Acalma-te e ouve o que venho dizer-te da parte de Jesus, Nosso Senhor: daqui a uns instantes, quando ouvires tocar os sinos da ermida onde há já sessenta e seis anos vivo, deves sair do arraial, só e sem testemunhas. É isto que ele manda dizer-te!

Antes que o guerreiro pudesse abrir a boca, o velho desapareceu na noite, sem deixar rasto.

Daí a instantes, soou, efectivamente o sino da ermida e Afonso Henriques pegou na espada e no escudo, com gestos quase automáticos, e saiu da tenda embrenhando-se na noite, sem destino, só, como lhe fora recomendado pelo velho.

Subitamente, um raio iluminou a noite e de dentro dele saiu uma cruz esplendorosa. Ao centro, estava Jesus Cristo rodeado de anjos. Afonso Henriques, ajoelhado, deixou-se ficar boquiaberto, sem saber o que dizer, sem se atrever a quebrar o instante, até que dentro de si ouviu Jesus dizer-lhe:

- Afonso, confia na vitória de amanhã. Confia na vitória de todas as batalhas que empreenderes contra os inimigos da Cruz. Faz como a tua gente que está alegre e esforçada. Amanhã serás rei.

Apagou-se o céu e a visão celestial desapareceu, como viera.

No dia seguinte a batalha foi terrível. Os mouros eram aos milhares e avançavam ferozmente contra os guerreiros afoitos de Afonso Henriques. Ao primeiro embate muitos homens caíram ao chão trespassados pelas lanças. Puxou-se então por espadas e alfanges e a planície foi invadida por um tinir de ferros misturados com a gritaria de toda aquela imensa multidão e os relinchos doloridos dos cavalos feridos e moribundos.

Durante muito tempo, foi um verdadeiro inferno.

Os guerreiros cristãos, porém, levaram a melhor. Em breve, os mouros sobreviventes fugiram pela planície fora, deixando o solo pejado de corpos mutilados de cadáveres e moribundos. Do lado cristão também eram muitos os mortos e feridos, mas os sobreviventes proclamavam a vitória gritando excitados:

- Real! Real! Por Afonso, Rei de Portugal!

Diz a tradição que nesse momento, e em memória do acontecimento, o rei pôs no seu pendão cinco escudos, representando os cinco reis mouros que havia decapitado e consequentemente derrotado. Pô-los em cruz, pela cruz de Nosso Senhor, e dentro de cada um mandou bordar trinta dinheiros, que por tanto vendera Judas a Jesus Cristo.

Nas mais belas igrejas de Castro Verde- Nossa Senhora dos Remédios e a Basílica Real, pintura e azulejos, não deixaram morrer a lenda de que Cristo teria aparecido a D. Afonso Henriques, antes da famosa batalha.

Relembre-se que "Campos de Ourique" era a denominação de uma vasta região, que incluía a zona de Castro Verde, e terá sido por isso que a batalha passou à história com esse nome. Além disso, foram encontradas numerosas ossadas e muitas caveiras separadas dos respectivos esqueletos, o que poderia ser explicado pela dureza da

batalha.